Relátórios de economia
25/4/2024

As águas de março deixaram abril despedaçado

Por

Cristiane Quartaroli

Os meses de março são costumeiramente marcados por fortes chuvas no Brasil, os indicadores de nível dos reservatórios não nos deixam mentir e não é coincidência que Tom Jobim tenha usado esse fato estatístico e sazonal em uma de suas mais famosas canções, embora eu acredite que ele tenha prestado muito mais atenção nos elementos empíricos para chegar a essa conclusão. O que o leitor deve estar se perguntando é o que isso tem a ver com o câmbio. As chuvas não muito, mas a aleatoriedade do assunto tem tudo a ver com a taxa de câmbio, que por sinal começou a subir muito logo após o término das chuvas de março (ver gráfico 1). Mas não estamos aqui para culpar a natureza e, sim, para explicar os motivos dessa recente alta no câmbio, bem como tentar entender (ou adivinhar) qual caminho nossa moeda deverá seguir nos próximos meses.

Começaremos pelo cenário internacional que, em nossa visão, é o principal responsável pela recente pressão em nossa taxa de câmbio e, mais especificamente falando, a questão dos juros nos EUA. Apenas para recordar: desde meados do ano passado, algumas economias emergentes vêm reduzindo os juros e, até então, as economias mais desenvolvidas (EUA estão nesse grupo) ainda não tinham conseguido espaço para iniciar o ciclo de queda nos juros. A expectativa era de que o Banco Central Americano começasse a cortar os juros em março deste ano. Março chegou, os juros não caiaram e, mais do que isso, as perspectivas de queda foram adiadas a cada semana por conta, principalmente, da inflação ainda em nível muito elevado e acima da meta. Hoje, a expectativa é de que o primeiro corte ocorra apenas em setembro, mas já há quem diga que não haverá redução nos juros americanos este ano. Isso acabou pressionando os juros dos treasuries (ver gráfico 2) que, consequentemente, fizeram o fluxo de capitais ir para os EUA e, com isso, as moedas emergentes se desvalorizaram – o real não escapou dessa.

Além disso, temos a China. Lembrando que o gigante asiático é nosso principal parceiro comercial, representando cerca de 30% do total das nossas exportações e 22% das importações. Uma piora nos indicadores da China impactam de forma significativa em nossa economia e na nossa taxa de câmbio. Indicadores mais recentes mostram uma piora no cenário macroeconômico chinês, com indicadores de atividade econômica, como as vendas do varejo e a produção industrial mostrando crescimento inferior ao que vinham registrando nos meses anteriores. Isso foi suficiente para que as projeções de crescimento da China fossem revisadas para baixo (o FMI projeta hoje crescimento de 4,6% na China para este ano, que é um número relativamente baixo, se compararmos com o crescimento histórico médio do país nos últimos 30 anos, de 8,6%). Os dados da balança comercial também estão desacelerando de forma significativa desde o início de 2022 (ver gráfico 3). Assim, a expectativa de menor crescimento chinês impacta em cheio nossa economia e o comportamento da nossa moeda, ou seja, o real não escapou dessa também.

Sobre o cenário externo também não podemos deixar de mencionar a questão geopolítica que tem colocado um possível repique inflacionário de volta à mesa. Um dos fatores que preocupa os investidores nesse sentido são as tensões no Oriente Médio, com o envolvimento direto do Irã na guerra contra Israel. Embora as incertezas sejam localizadas, as repercussões do evento são globais, tanto do ponto de vista diplomático quanto econômico. O principal risco para os mercados é como uma eventual escalada do conflito irá mexer com o preço do petróleo, já que qualquer complicação logística na região afetaria sua oferta. Além do risco inflacionário por aqui também, preço de petróleo mais alto (ver gráfico 4) pressiona nossa moeda, então, o real também não escapou dessa.

Por fim, e não menos importante, a recente alteração da meta fiscal trouxe mais um ponto de atenção para um cenário já um tanto quanto complicado. O governo decidiu alterar o objetivo fiscal para 2025, que saiu de um superávit primário de 0,5% do PIB para um déficit zero – que é a mesma meta de 2024. Ou seja, neste e no próximo ano, as despesas e receitas deverão ser iguais. Vale lembrar que as projeções do mercado de acordo com o boletim Focus do Banco Central já sinalizavam que o déficit seria zerado apenas em 2026 (ver gráfico 5), então, em tese, a alteração da meta por parte do governo não devia ser uma surpresa. E de fato não foi, mas deixou um ambiente de desconforto no radar, já que o adiamento do ajuste fiscal pode ter implicações no ritmo de cortes da taxa básica, a Selic. O Copom sinalizou que poderá reduzir o ritmo de corte dos juros em junho, além de afirmar que uma flexibilização das regras fiscais pode frear ainda mais a diminuição da taxa Selic. Além disso, um sistema fiscal bem ancorado é importante para a avaliação de risco-país e essa medida pode começar a perder força, caso as contas fiscais fiquem no vermelho por mais tempo. Ruim para o real.

Conclusão: Ou seja, as águas de março passaram e abril está terminando completamente aguado e despedaçado por todas as razões mencionadas acima. O que será do cenário daqui em diante vai depender muito da evolução dos próximos indicadores, então, é cedo para dizer que essa pressão no câmbio veio para ficar. Em nossa percepção, ainda temos um pano de fundo macroeconômico positivo, com inflação cedendo, juros menores do que tínhamos há um ano e, portanto, uma economia se mostrando mais resiliente. Embora os desafios ainda sejam enormes, sobretudo no campo fiscal, é possível acreditar que no médio prazo a taxa de câmbio talvez esteja mais baixa do que está hoje. Mas ainda tem muita água para rolar!!!

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