Relátórios de economia
23/2/2022

Fluxos de investimentos: para onde está indo o dinheiro? E o câmbio?

Por

Cristiane Quartaroli

Fernanda Consorte

Neste mesmo período do ano passado, trouxemos aqui evidências da forte queda de fluxo de investimentos no mundo, motivada pelas incertezas do estouro da pandemia de COVID-19, e que explicou boa parte da forte depreciação das moedas ao redor do globo. Coincidentemente, 12 meses depois, quando eventualmente atualizaríamos esse relatório, o tema “fluxo de capitais” está na moda no Brasil.

Não é para menos, o fluxo financeiro aumentou muito no último mês, refletindo o apetite às ações das empresas brasileiras, e deu força para a taxa de câmbio querer testar US$/R$5,00, após fechar 2021 em US$/R$ 5,58! Porém a análise dos dados de fluxo de investimentos do mundo, ainda não sugere uma explosão no apetite ao risco. Vamos dar uma olhada:

FLUXO DE INVESTIMENTOS NO MUNDO: COMO FOI EM 2021?

O mundo pós-pandemia ainda não aconteceu de fato, pois a doença ainda está entre idas e vindas, mas cada vez mais os investidores estão dispostos a seguir seus aportes mesmo com a situação no radar. Dito isso, o fluxo de investimento direto estrangeiro global se recuperou fortemente em 2021, mas a recuperação é altamente desigual entre regiões e países (veja no gráfico 1).

De acordo com o Relatório Global de Investimento da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad, os fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) devem ter se recuperado 77% em 2021 versus 2020, atingindo US$ 1,65 trilhão ante US$929 bilhões em 2020 – vale ressaltar que a cifra alcançada em 2020 foi, pela primeira vez desde 2005, abaixo de US$ 1 trilhão.

Contudo a recuperação ainda foi pautada em economias mais seguras. As economias desenvolvidas tiveram o maior aumento, com o IDE atingindo cerca de US$ 777 bilhões em 2021 – que embora seja 200% acima do observado em 2020  é apenas 6% acima do nível pré-crise.

E, mesmo assim, na Europa o nível não voltou ao pré-crise. O destaque mesmo ficou para economias desenvolvidas fora do eixo Europa-EUA. Adicionalmente, segundo o relatório, o influxo nos EUA devem-se ao aumento nas fusões e aquisições (M&As) transfronteiriças.

Nas economias em desenvolvimento (ou emergentes) foi observado aumento 30% do IDE entre 2020 –2021, para quase US$ 870 bilhões. O destaque novamente ficou na Ásia, em especial na China. A China registrou uma entrada recorde de US$ 179 bilhões em 2021 impulsionada pelo forte IDE de serviços. E, além da China, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) retomou seu papel como motor decrescimento do IDE na Ásia e globalmente, com entradas de 35% e aumentos na maioria dos membros.

E nós? Bom, a América Latina teve um crescimento percentual até maior que a Ásia (cerca de 50% acima de 2020), trazendo o nível de IED próximo, mas inferior ao pré-pandemia. Do mesmo modo, o Brasil viu o IDE dobrar em 2021, mas as entradas permaneceram abaixo dos níveis pré-pandemia (confira no gráfico 2).

Além do mais, o Brasil vem ficando para trás na escolha de se investir em relação a pares da América Latina. Enquanto em 2019 o Brasil foi responsável por 43% do fluxo para América Latina (~70bi de ~160bi), em 2020, isso caiu para cerca de 38% (~38bi de~101bi) e 33% em 2021 (~50bi de ~150bi).

A perspectiva de final de pandemia ao longo de 2021 e, portanto, melhora nas perspectivas econômicas no mundo, diminuiu a aversão ao risco. Um exemplo disso foi o aumento considerável de fusões e aquisições no período, conforme gráfico 3. Embora tenhamos participações constantes entre as regiões, os maiores negócios ficaram nos EUA, sugerindo que o montante das Américas deve-se muito mais à América do Norte do que à América do Sul e por consequência Brasil. Isso reforçou o movimento de alta de taxa de câmbio que vimos no Brasil ao longo de 2021.

FLUXO DE INVESTIMENTOS NO BRASIL: SITUAÇÃO 2021 E O QUE ESPERAR PARA 2022?

Em 2021, o fluxo de capitais no Brasil começou a melhorar e voltou ao patamar positivo no segundo semestre do ano (considerando a soma em 12 meses). A melhora do fluxo veio marcada por entradas no mercado acionário, o que se intensificou no início de 2022. Antes da crise investimentos em ações não costumava ser a vedete do investimento estrangeiro no Brasil, em detrimento da alocação em fundos de investimento. Mas, conforme o apetite a risco foi voltando, o capital se concentrou em títulos de dívida e em ações, como pode ser observado no gráfico 4.

Embora o patamar da Bolsa de Valores esteja alto, perto do observado no pré-crise (ao redor de 110 mil pontos), e tenha ajudado nas últimas semanas na valorização do real ante o dólar, o nível da taxa de câmbio ainda está alto e, portanto, conjunturalmente, sugere que algo ainda está errado e tem espaço para ajuste. Quero dizer que, a taxa de câmbio acaba por nos mostrar que a despeito de um bom momento na Bolsa de Valores, o Brasil ainda não é a principal escolha como alocação de investimento e capital. A decisão desse fluxo de capital virá por uma história positiva a ser contada. Vejam o gráfico 5.

CONCLUSÃO

Neste ano, teremos eleições presidenciais, situação que geralmente causa incertezas nos agentes. Para quem acompanha o mercado de câmbio, a palavra incerteza vem acompanhada de diminuição de fluxo de investimentos, sobretudo, para países emergentes e mais arriscados. Ora, não é para menos, quando estamos em um ambiente de incerteza, nada melhor do que seu porto seguro, não é mesmo? Por consequência, a evolução da taxa de câmbio está altamente ligada ao fluxo de investimentos para o País. Quanto maior o fluxo, mais provável que a taxa de câmbio caia, e o inverso também é verdadeiro. Assim, olhando nosso calendário econômico, tanto o fluxo de capital como a taxa de câmbio podem sofrer fortes oscilações nos meses à frente. Porém passada a fase de incertezas, acreditamos que seja possível ver a taxa de câmbio abaixo de US$/R$ 5,00 pós-eleições --- mas, de novo, depende da história que será contada, do resultado das urnas, e por aí vai...

ouça nosso podcast!

Economia do dia a dia

Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.

ouça agora