Relátórios de economia
25/3/2020

Coronavírus na sociedade: a escolha de Sofia

Por

Fernanda Consorte

No início da década de 1980, foi lançado um livro seguido de um filme em que uma mãe aflita em um campo de concentração, na Segunda Guerra Mundial, teve a indescritível e insuperável dor de escolher entre uma de suas duas filhas para sacrifício. E, claro que essa decisão a afetou pelo resto de sua vida.

Como a vida imita a arte, acredito que a atual conjuntura também pode pedir uma escolha aos governantes do Brasil. A humanidade se deparou com um vírus pandêmico, que por definição tem afetado severamente vários países. Esses governos determinaram confinamento à população (por meio de medidas de restrição de circulação e de abertura de empresas), de tal forma que fecharam suas economias, como estratégia de contenção da disseminação da doença.

O fato é que embora o vírus pareça ser truculento e cause infecções respiratórias que podem acarretar em morte de pessoas, geralmente, mais idosas e/ou com outras doenças associadas  (e já ocorreu 16 mil mortes no mundo), o índice de letalidade é em média de apenas 1% (dados China), com alta distorção. Dada sua semelhança a sintomas de uma gripe comum, muitos infectados não são identificados e, portanto, o índice de letalidade tende a ser ainda menor.

Figura 1: Informações Sobre o Coronavirus na Itália – Fonte: www.zerohedge.com/ data:17/03/20

Assim, o que assusta mesmo os governos e que tem gerado essa paralisação é a expectativa de sobrecarga no sistema de saúde. Explico: dada a agilidade de contágio da doença (COVID-19), estima-se ocorrer uma super demanda por hospitais e máquinas de respiração, de tal forma que o sistema de saúde não aguente. Além disso, ele também estaria operando com sua capacidade máxima para atender a qualquer outro incidente grave. Portanto é imprescindível achatarmos a curva de contágio para que todos obtenham os recursos de tratamento e, também, aumentarmos a capacidade de atendimento, com medidas como a construção de hospitais de campanha (que já ocorre em SP, por exemplo). Hoje, não há tempo hábil de aumentar a oferta de saúde, o vírus age mais rápido do que isso. Por isso as medidas de restrições se fizeram necessárias. (Filha de Sofia, número 1)

Por outro lado, esse confinamento ao qual estamos submetidos deve penalizar fortemente a economia. Se olharmos para o que ocorreu na China após oito semanas de isolamento social, observamos fortes quedas na atividade fabril e no comércio (fortes mesmo!).

Figura 2: Indicadores Econômicos na China – Efeito Coronavirus (janeiro e fevereiro) – Fonte: Bloomberg.

Acontece que o Brasil não está em seu melhor momento econômico. Na última crise que enfrentamos, em 2008, vimos nossa economia encolher 1% em pouco tempo, e estávamos crescendo a 6%. Hoje, o PIB cresce a míseros 1% e a paralisação acontece em vários setores produtivos, inclusive serviços e comércio, que têm forte peso na economia. O contínuo confinamento diminuirá a necessidade de vários serviços, fechamento de empresas que não conseguirão manter o faturamento mínimo para funcionamento e, consequentemente, acarretará na necessidade de demissões (estamos falando de desemprego em massa!). Isso mesmo considerando nossa quarentena atual, menos severa do que em outros países em que serviços básicos ainda funcionam.

O efeito cadeia pode ser gigantesco. Imagine, você, microempresário de um escritório de arquitetura, por exemplo. Os projetos serão interrompidos porque não são prioridade para as famílias. Em algum momento, será necessário dispensar seus funcionários, pois não será possível pagar o aluguel. Da mesma forma, você começa a se perguntar se dado que seus filhos pequenos estão em casa, e que ficarão por um tempo, se não é melhor tirá-los da creche para evitar de pagar a mensalidade. Diante de vários pais tirando as crianças da creche, a creche fecha e demite todos seus funcionários. E por aí vai... efeito dominó, recessão severa. (Filha de Sofia, número 2).

Comparativamente, as duas filhas são importantes. Como viver em uma sociedade em que há possibilidade de não nos atender em casos de doença severa (e notem que isso vale para todo o sistema de saúde, você pagando convênio médico ou dependente do SUS; rico ou pobre)?  Mas como sacrificar toda a economia que possivelmente terá consequências de longo prazo impondo à sociedade uma recessão sem precedentes?

Os próximos dias, serão vitais para entendermos qual será a escolha do governo brasileiro sabendo que, qualquer que seja, terá consequências. Em anúncio à nação, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que "não quer que a cura [do vírus] seja pior do que a doença".  A China escolheu o sistema de saúde, mas com ferramentas de rápido retorno de suas atividades econômicas, com forte presença governamental para amparo da população – o governo brasileiro não tem essa envergadura. Como mencionei, crescemos a taxas módicas de 1%, com sérios problemas fiscais.

Há um meio termo a seguir? Talvez sim. Talvez não existam motivos para a paralisação se a população de risco (idosos e pessoas com problemas de saúde) puder ser efetivamente mantida em isolamento, se as pessoas continuarem com os hábitos de higiene indicados e evitarem aglomerações, assim como destinar uma parcela importante do dinheiro público para massivos investimentos no sistema de saúde. O governo de São Paulo, um dos estados mais impactados pela doença, tem tomado decisões rápidas, construções de hospitais de campanha, assim como a conscientização social (pessoas foram para suas casas antes de oficializar a quarentena). Por isso mantenho minha aposta/ desejo de que essa crise pode ser intensa, mas tende a ser rápida. Ao menos temos exemplos internacionais, conscientização social e ações governamentais, que podem evitar uma escolha de Sofia.

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