Relátórios de economia
23/11/2023

Sobre a reforma tributária: ainda somos os mesmos e vivemos

Por

Cristiane Quartaroli

A reforma tributária sobreo consumo (PEC 45/2019) foi aprovada pelo Senado no dia 08/11 e o texto-base aprovado simplifica impostos e demais contribuições de consumo para pessoas físicas, empresas e órgãos públicos. Além disso, a nova reforma tributária zerou ou reduziu alguns dos tributos de serviços e produtos, além de fazer alterações em cestas básicas, produtos de higiene e carros. O texto-base da PEC precisava de no mínimo 49 votos favoráveis para ser aprovado pelo Senado. Em dois turnos, as votações permaneceram iguais, com 53 senadores a favor e 24contrários. Agora, o documento retornou para a Câmara dos Deputados, de onde o texto original veio, para que as modificações feitas no Senado sejam avaliadas.

Em 2019, já havíamos abordado esse tema por aqui, quando a PEC 45 foi criada. Agora que o tema voltou à pauta e, ao que tudo indica, há grandes chances de aprovação desse novo texto, vamos trazer uma atualização mais do que necessária aos nossos leitores, pois os impactos poderão ser sentidos não apenas na máquina arrecadatória e nos setores envolvidos, mas, também, nas variáveis macroeconômicas, inclusive em nossa taxa de câmbio, que no fim do dia é o assunto que mais nos interessa!

Recordemos que o Brasil é conhecido como o país dos impostos e que a melhoria no sistema tributário é almejada governo após governo. Para se ter ideia, o Parlamento discute a necessidade de reformular o sistema tributário nacional desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. O que poucos sabem é o tamanho da complexidade que envolve o ICMS, PIS, COFINS, INSS, IOF, IPI, CIDE, ITR, ISS, ufa... Uma sopa de letrinhas das mais indigestas, capaz de encher o prato do cidadão comum e do empresário, sem distinção nem discriminação, algumas vezes até se repetindo sem que ninguém perceba. Por isso, existe a necessidade de muito estudo, força de vontade, comprometimento e tempo para colocar em ordem esse alfabeto.

Como vocês podem notar, a reforma tributária é um debate antigo e confuso, mas muito importante para deixar tudo mais eficiente, promover crescimento e gerar mais empregos. Mas antes de detalharmos um pouco mais, vamos lembrar de alguns pontos importantes:

  • o sistema tributário brasileiro é muito complexo mesmo;
  • existe uma gama muito grande de impostos e os valores variam em cada caso. Para se ter uma ideia, as empresas trabalham em média dois meses do ano só na declaração dos tributos e isso tem um custo que vai parar no preço do produto que o consumidor compra. É por esse motivo que se fala tanto em simplificação por meio de unificação de tributos;
  • especialistas no assunto acreditam que o sistema tributário brasileiro é regressivo. Ou seja, proporcionalmente a população mais carente paga mais do que aqueles que têm melhores condições sociais, o que acaba reforçando a desigualdade brasileira;
  • outro ponto complicado é que o Estado depende desses impostos para funcionar, especialmente num momento de crise como o que estamos vivendo, em que as contas já estão no vermelho. Para diminuir aqui, tem que aumentar ali se quiser deixar tudo equilibrado. É aí que entram as discussões mais acirradas evira uma briga, pois quem paga mais vai ficar feliz em pagar menos. Mas quem paga menos, não vai gostar de pagar mais.

Portanto a proposta atual que está em nova discussão no Congresso (agora, novamente na Câmara dos Deputados) tenta solucionar alguns desses problemas ao alterar substancialmente a tributação sobre o consumo, substituindo cinco tributos atualmente existentes por dois novos com o objetivo de simplificar o sistema; além de reduzir algumas distorções e aumentar a transparência ao consumidor. A proposta também cria dois fundos, um voltado ao desenvolvimento regional e outro para a compensação de benefícios fiscais que serão extintos após a implementação da reforma.

Como funciona hoje o sistema de tributação no Brasil?

Em relação ao tributo sobre consumo, países como EUA e Nova Zelândia, que servem de modelo para o Brasil, tentam evitar o imposto cumulativo - que tributa a matéria-prima, depois tributa de novo quando a indústria agrega algum valor e tributa de novo no comércio, enfim... isso vai gerando imposto sobre imposto e é assim que funciona por aqui.

Nesses outros países existe um sistema que vai gerando crédito. Por exemplo, no caso de alimento, o produtor paga o imposto sobre o alimento. A pessoa que comprou o alimento e o transformou em refeição desconta o imposto que já foi pago pelo produtor. Isso não existe no Brasil e é exatamente o que uma dessas propostas está tentando solucionar, a bitributação brasileira. A ideia das propostas não é reduzir a carga tributária, mas simplificar. O que vai acabar acontecendo é que haverá uma redistribuição da carga entre os produtos e setores. Por isso, há uma enorme discussão sobre desigualdade e correção de tributos nesse sentido.

O Brasil tributa muito o consumo, muito mais do que outros países. E tributa menos a renda e a propriedade. Então, quando se discute o tributo sobre o consumo, está se discutindo justamente o tributo que é o mais regressivo que existe, ou seja, aquele que afeta a população mais pobre.

Apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos... O que esperar daqui em diante?

O desdobramento sucessivo desse avanço histórico da reforma tributária está prestes a se concretizar. E é crucial compreender as implicações dessa trajetória! Recentemente, o Senado Federal concluiu uma etapa significativa ao aprovar o texto proposto pelo senador Eduardo Braga nos dias 07 e 08 de novembro. Esse evento marca uma aproximação do desfecho dessa proposta que impactará diretamente contribuintes, empresários e, até mesmo, congressistas, que já têm em mente as próximas eleições.

A reforma tributária, esse marco emblemático, foi substancialmente influenciada pelo Senado em um curto período de apreciação do texto. As principais alterações decorrentes desse processo envolvem o texto aprovado na Câmara em comparação com o texto aprovado no Senado, com modificações pontuais que, no entanto, não alteram drasticamente a estrutura geral. Ou seja, seria mais do mesmo? Sim e não. O resultado final da reforma tributária provavelmente incluirá a implementação do IVA dual e a criação do Imposto Seletivo, com regras de transição temporariamente alinhadas.

Ou seja, ainda somos os mesmos... Haverá mudanças, mas ainda vai ter muito trabalho a ser feito no futuro também. Algumas mudanças relevantes incluem a criação de um regime específico de tributação para o saneamento, considerando uma correção de texto e modificações no Imposto Seletivo para uma maior segurança jurídica. Destaca-se também a ampliação sutil na redução de alíquotas e a introdução de uma trava na carga tributária, tornando-a mais complexa e vinculada ao crescimento do PIB.

Os impactos dessas mudanças devem ser significativos, sendo que um dos principais ganhos pode ser a não incidência do Imposto Seletivo em itens essenciais. Setores como alimentos e bens de consumo podem se beneficiar com isenções específicas, proporcionando redução de cerca de 60% em alíquotas. Mas ainda haverá exceções. Está difícil avaliar se estamos trocando exceções antigas por novas.

CONCLUSÃO

Então, caros leitores, uma coisa é fato: mesmo com esse avanço recente e importante, ainda vamos ouvir falar muito sobre essa reforma. A implementação total das novas regras que estão na pauta tem um prazo considerável para ser iniciada. As primeiras mudanças estão programadas apenas para 2026. No entanto, o processo de regulamentação já está em andamento, sendo previsto um ano agitado em 2024, marcado inclusive por eleições municipais e pela necessidade de finalização da regulamentação. Vale destacar que o governo tem a intenção de encerrar este ano com a reforma aprovada – já que isso pode contar pontinhos inclusive para as eleições municipais. Que economia e política andam juntos todos sabem, mas no caso da reforma tributária é ainda mais evidente e vamos ter que lidar com isso novamente.

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